sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O melhor de sempre, por Carlos Daniel

Tentei explicar lá em casa por que era tão especial ver Bolt. E rever. É que ver aquilo, e sentir que fazemos - mesmo enquanto espectadores - parte daquela história no momento em que acontece não deve dar direito a replay durante décadas. Talvez não vejamos mais nada igual na vida. E não há-de haver ali doping, que já me bastaram Ben Johnson, quando ainda acreditava na inocência dos campeões, e mais tarde Pantani, o meu ídolo careca das bicicletas, que subia montanhas com uma galopada só comparável à vertigem com que desceu depois para a morte mais anónima. Quem me fez assim, apaixonado pelo desporto, não ia autorizar outra desilusão destas, ainda por cima agora que Armstrong e - agrade-lhe a ele ou não - Contador me trouxeram de volta a paixão da Volta a França, resgatando-me daquele ano trágico em que a uma lenda de verdade se seguiu um Landis aldrabão.

Insisti assim que todos percebessem o que é Bolt, que é mais que Carl Lewis, Bubka, Gebrselassie ou Bekele. É um extraterrestre que nasceu na terra dos humanos mais rápidos, nessa Jamaica do reggae onde também surgiram no mundo Ben Johnson, Linford Christie ou Asafa Powell. A genética há-de ter uma explicação que eu não me convenço só com a papa de mandioca. Tentei explicar Bolt com o mesmo carinho com que gravei em VHS o último jogo do verdadeiro Michael Jordan (pelos Bulls, claro), que mesmo depois de LeBron e Kobe há qualquer coisa que não se voltou a ver. Os mitos constroem-se assim: para mim, Jordan será sempre o homem que ganhava as finais sozinho. É um exagero? É sempre, porque na nossa imaginação os grandes campeões são ainda melhores. Lá, eles nunca falham, nunca jogam mal e acabam sempre a festejar.

Os mitos existem porque, embora outros génios surjam entretanto, ninguém lhes consegue copiar a assinatura. Um livre de Platini é um livre à Platini. Diferente de Beckham, Pirlo ou Juninho Pernambucano. Como ninguém fez passes rasteiros, a rasgar e a isolar, como Zico, por muito que exista Fàbregas. E não há elegância na área como a de Van Basten, ainda que seja emocionante ver como o gigante Ibrahimovic reproduz a habilidade de Romário. E não voltou a haver Eusébio apesar das cavalgadas dos Ronaldos, seja do nosso ou do fenómeno brasileiro. Nem Pelé, apesar de Ronaldinho parecer decalcado do Pelezinho que surgiu na banda desenhada nos anos 80. Messi chega a parecer Maradona, é um facto. Mas Maradona há só um e até embirra que o comparem porque se sentir um degrau abaixo de Deus. Na galeria dos imortais todos são incomparáveis. Para mim, a partir de agora, um mais que todos os outros: Usain Bolt - provavelmente o melhor atleta de sempre.


in Jornal Record, sexta-Feira, 28 Agosto de 2009, 18:23



Elder Rosario, ex-trábico

4 comentários:

Liga Laize disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Liga Laize disse...

carlos_ping_69@gmail.com

Ligas Privadas disse...

tentei enviar um e-mail para esse email e deu erro de entrega. pode confirmar se está bem escrito.

Liga Laize disse...

carlos_píng_69@gmail.com